Os Estudantes performam menos porque são mais pobres ou porque a formação é mais pobre?

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Prova

Autores: Alexandre Nicolini (Ciência e Ação), Reinaldo Viana (UNIRIO)

Nas semanas anteriores temos perseguido quais são as variáveis que jogam a favor de um bom desempenho dos cursos superiores na prova de Formação Geral (FG) do ENADE – e infelizmente temos encontrado também as variáveis pregressas que dificultam a vida dos egressos. Esse microartigo continua uma discussão que foi iniciada na semana passada mas ainda não terminou: qual seria o verdadeiro papel de variáveis como renda familiar e escolaridade dos pais?

Já percebemos em microartigos anteriores que essas duas variáveis são importantes para o bom desempenho dos estudantes ao final do curso. Provamos que o desempenho dos estudantes melhora na medida em que essas variáveis se tornam mais positivas. Entretanto, dados os protestos e considerações que recebemos em defesa dos Cursos Superiores de Tecnologia (CST), resolvemos verificar a questão por um outro ângulo: qual seria a escolaridade das mães e o nível de renda investigado a partir dos percentuais representativos dos discentes em cada faixa verificada? Essa avaliação é importante porque complementa as anteriores e isola a possibilidade de estarmos cometendo qualquer tipo de injustiça.

Assim, escolhemos cursos de bacharel e tecnólogo de duas edições diferentes para montarmos pares de análise que denominaremos aqui como ‘companheiros de trabalho’. Ou seja, carreiras que trabalham em locais semelhantes e tenham atividades complementares, pois acreditamos que na escolha da sua profissão estes vestibulandos tenham tido interesses razoavelmente semelhantes.

Analisemos aqui o primeiro par de companheiros de trabalho formado por egressos do curso de bacharelado em Odontologia (Gráfico 1) e tecnólogo em radiologia (Gráfico 2), avaliados em 2016. Podemos até imaginá-los trabalhando lado a lado numa grande clínica de tratamento dentário. Perceba que 42% das mães dos estudantes de odontologia tem curso superior ou pós-graduação, contra apenas 12% das mães dos estudantes de radiologia.

Gráfico 1 – Concluintes & Escolaridade da Mãe – Odontologia 2016
Gráfico 2 – Concluintes & Escolaridade da Mãe – Tecnólogo em Radiologia 2016

A situação vai se repetir quando falamos da renda familiar dos concluintes. Note que apenas 10% dos concluintes de Odontologia (Gráfico 3) vieram de famílias com renda de até 1 salário e meio, percentual que vai triplicar quando falamos dos estudantes de Radiologia (Gráfico 4). Na faixa superior da pirâmide, vamos verificar que o percentual de egressos de Radiologia inseridos em famílias que ganham mais de dez salários mínimos é nada menos que sete vezes menor na comparação com os estudantes de Odontologia.

Gráfico 3 – Concluintes & Renda Familiar – Odontologia 2016
Gráfico 4 – Concluintes & Renda Familiar – Tecnólogo em Radiologia 2016

Passemos agora ao segundo par de companheiro de trabalho, formado pelos bacharéis de Engenharia da Computação (Gráfico 5) e pelos tecnólogos de Redes de Computadores (Gráfico 6) avaliados pelo ENADE 2014. Eles poderão ser encontrados trabalhando juntos em qualquer empresa de implantação de tecnologia da informação. Diferentemente dos outros exemplos citados acima, o que perceberemos aqui é uma situação em que a escolaridade da mãe é razoavelmente semelhante nas duas carreiras. Ainda assim, há vantagem para o bacharelado, com o registro de 42% de mães de estudantes de Engenharia da Computação com graduação e pós-graduação contra 34% das mães do tecnólogo em Redes de Computadores com o mesmo nível de formação.

Gráfico 5 – Concluintes & Escolaridade da Mãe – Engenharia de Computação 2014
Gráfico 6 – Concluintes & Escolaridade da Mãe – Tecnólogo em Redes de Computadores 2014

Se escolaridade da mãe não nos parece tão discrepante, a renda das duas famílias já salta aos olhos. Apenas 18% dos ingressos dos futuros Engenheiros da Computação (Gráfico 7) estão morando com famílias que ganham até três salários mínimos, percentual que mais que dobra para 38% em Redes de Computadores (Gráfico 8). Na faixa acima de 10 salários mínimos, são 6% de estudantes de Redes contra 25% de Engenharia.

Gráfico 7 – Concluintes & Renda Familiar – Engenharia de Computação 2014
Gráfico 8 – Concluintes & Renda Familiar – Tecnólogo em Redes de Computadores 2014

Dadas as diferenças entre os níveis de escolaridade da mãe e de renda nos dois casos, bem mais visíveis nas carreiras da área de saúde do que em tecnologia, seria razoável supor que os estudantes de Odontologia deveriam se sair bem melhores nas provas de Formação Geral que os estudantes de Radiologia; e os estudantes de Redes de Computadores deveriam se sair apenas um pouco pior que os estudantes de Engenharia de Computação na mesma prova.

Com efeito, vamos verificar que os estudantes de Odontologia se saíram em média 8% melhores que os estudantes de Radiologia tanto nas Questões Objetivas como nas Questões Discursivas de FG, como pode ser visto nos gráficos abaixo:

Gráfico 9 – Desempenho Formação Geral- Odontologia 2016
Gráfico 10 – Desempenho Formação Geral- Tecnologia em Radiologia 2016

Já os estudantes de Engenharia da Computação foram em média 9% melhores do que os estudantes de Redes, mesmo que a escolaridade das mães fosse mais equilibrada e que a renda familiar não representasse uma diferença tão significativa quanto nos cursos de saúde aqui comparados.

Gráfico 11 – Desempenho Formação Geral- Engenharia de Computação 2014
Gráfico 11 – Desempenho Formação Geral- Tecnologia em Redes de Computadores 2014

Vamos chegando ao final confirmando as conclusões dos nossos artigos anteriores. De forma consolidada ou em análises específicas com diferentes carreiras, quando se trata das provas de FG tanto nas questões objetivas quanto discursivas os estudantes de Bacharelados se saem melhores do que os tecnólogos, o que confirma boa parte da produção científica sobre o tema em diferentes testes padronizados de massa.

Cremos que ainda se faz necessário uma análise mais profunda destes dados, com a utilização de métodos estatísticos mais sofisticados e a determinação das variáveis dependentes e independentes nessa história. Mas essa análise requer o espaço de uma tese, não de um microartigo.

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