Os Estudantes de EaD são prejudicados ou beneficiados por estarem à distância?

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EaD

Autores: Alexandre Nicolini (Ciência e Ação), Reinaldo Viana (UNIRIO)

Nas últimas edições do EnadeDrops temos investigado as variáveis que podem influenciar o desempenho dos estudantes no Enade tomando como base o componente do exame que é comparável a cada edição: a Formação Geral (FG). Ainda que nossos 2.266 leitores estejam ansiosos para nos movermos para o Componente Específico, sentimos que ainda falta uma investigação a fazer: a modalidade do ensino interfere na seleção dos estudantes e, consequentemente, no desempenho deles ao final do curso? Ou, como se acredita no senso comum da gestão universitária, o estudante matriculado no ensino a distância (EaD) tem uma formação inferior ao estudante na modalidade presencial (PRS)?

Não se pode negar que o EaD é uma realidade que se faz cada vez mais presente no cenário do ensino superior, no Brasil e no mundo. À exceção de alguns poucos cursos, entre eles Medicina, Direito e outros em que as associações de classe são muito fortes politicamente – e muito conservadoras também – o que se vê é uma oferta de cursos cada vez mais diversificada nos cursos pertencentes aos vários ramos da ciência – sociais, tecnologias, educação e saúde. Observe o gráfico abaixo e verifique como há um crescimento constante do número de matrículas nos últimos dez anos.

Fonte: Inep

O próximo gráfico mostra que, mesmo que o número total de ingressantes tenha diminuído durante os anos da prolongada crise econômica que nos atinge, o número de estudantes em EaD nunca parou de crescer – e continua avançando significativamente. Primeiro, porque observamos que em uma década o número de matriculados em EaD dobrou. Eram 1/6 dos estudantes em 2007 e em 2017 são 1/3 do total. Segundo, porque provavelmente a crise direcionou estudantes com pouco poder aquisitivo para o EaD, ainda que não devesse ser a vontade inicial dos estudantes. 

Fonte: Inep

Ou seja, é provável que em quatro anos o número de matrículas atinja este mesmo patamar, enquanto a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) já projeta em 50% o número de novas matrículas em EaD em 2021. Nesse cenário, como não se perguntar sobre o nível de qualidade que os estudantes universitários brasileiros vão receber?

Sendo assim, vamos escolher dois cursos da mesma edição e que tem avançado rapidamente no número de estudantes matriculados em EaD, os cursos de Administração e Administração Pública, atrás das pistas que nos permitam verificar se a modalidade PRS e EaD fazem diferença nos resultados. Primeiro vamos observar o gráfico abaixo, relativo aos estudantes de Administração:

Renda dos Concluintes por Modalidade de Ensino – Administração 2015

Nota-se que o número de estudantes matriculados no EaD são minoria, e o percentual dos que estudam a distância decresce de forma discreta quanto maior a renda familiar, à exceção dos dois maiores níveis mais abastados, onde os estudantes de maior renda são majoritariamente da modalidade presencial. Por outro lado, quando analisamos os estudantes do curso de Administração Pública no gráfico abaixo, verificamos uma situação completamente diferente: os estudantes na modalidade a distância representam a maioria das matrículas dos que tem até 10 salários mínimos como renda familiar, situação que se inverte exatamente nas duas faixas mais ricas.

Renda dos Concluintes por Modalidade de Ensino – Administração Pública 2015

Se olhamos esta situação com lentes fabricadas pelo senso comum, é razoável imaginar que os estudantes de Administração Pública teriam um desempenho inferior no Enade. Mas, ao compararmos as duas tabelas abaixo, vamos ver uma situação completamente diferente do que esperávamos inicialmente. Os dados nos mostram que o desempenho dos estudantes EaD de Administração Pública, por exemplo, é 10% superior ao dos estudantes PRS de Administração de Empresas quando falamos da prova de Formação Geral. 

Desempenho dos Concluintes por Renda- Administração 2015

Desempenho dos Concluintes por Renda- Administração Pública 2015

Lembre-se que podemos estar falando de carreiras diferentes, mas escolhemos exatamente estas duas por supor que seus candidatos (i) estão na mesma área de saber, (ii) buscam uma ocupação que é semelhante ainda que estejam em campos diferentes e (iii) se interessam em desenvolver competências análogas de uma maneira geral. Os indícios aqui apresentados nos levam a crer que, numa prova comparável, a modalidade não joga como uma variável tão determinante para o bom (ou mau) desempenho dos estudantes, uma vez que a variação de notas oscilou entre 3% e 8%.

O que permaneceu inalterado, como das outras vezes, foi o (muito) melhor desempenho dos estudantes com renda mais alta, como você deve ter reparada nas duas tabelas, e uma performance (bem) pior quanto menor é a escolaridade da mãe – não colocamos as tabelas para não ficarmos tão repetitivos. Mas creiam em nós: a variância das notas foi bem maior nestes casos, repetindo o mesmo comportamento já apontado nos EnadeDrops anteriores em que tratamos desse assunto.

Essa edição termina então confrontando de forma consistente um senso comum dominante na indústria do ensino superior, tanto público quanto privado. A modalidade de oferta, PRS ou EaD, tem um impacto muito menor que a origem social e econômica dos nossos egressos. Nossa hipótese é que este impacto seja ainda bem mitigado quando as IES conseguirem dominar a curva de aprendizado da nova modalidade de oferta. O EaD veio para ficar e precisamos que tanto ele como o PRS deem um salto de qualidade para que o Brasil possa se desenvolver adequadamente.

Quer receber os gráficos da escolaridade das mães dos estudantes nessa carreira? Quer fazer novas colocações e provocações? Sinta-se à vontade. E lembre-se de curtir, compartilhar e debater com seus dirigentes, coordenadores e professores. Até o próximo EnadeDrops!

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