A tipologia da graduação influencia mais no Enade que a faixa de renda familiar?

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Análise do resultado do Enade

Autores: Alexandre Nicolini (Ciência e Ação), Reinaldo Viana (UNIRIO)

 

No EnadeDrops da semana passada, começamos a falar do possível impacto causado pela deficiência dos nossos estudantes para se comunicar e se expressar na Língua Portuguesa. Mostramos também que, ainda que o peso pareça inexpressivo (2% do Enade), esse pequeno percentual é o suficiente para percorrer cerca de 30% das faixas que compreendem os conceitos 2, 3 e 4.

Podem existir impactos extras: a capacidade de se sair bem nas provas objetivas – interpretação de textos, nas provas discursivas de conhecimento geral – construção de textos e na prova discursiva de conhecimentos específicos – capacidade de argumentação.

Nesse momento, vamos nos concentrar em entender um pouco mais sobre o desempenho linguístico dos concluintes no que tange à prova discursiva de FG.  Lembramos aqui os aspectos que nos interessam: os Ortográficos, os Textuais e os Morfossintáticos e Vocabulares, que representam respectivamente 30%, 20% e 50% da nota atribuída à capacidade de se expressar em Língua Portuguesa.

Como você lembra, leitor, em outras edições do EnadeDrops no ano passado trouxemos reflexões envolvendo aspectos socioeconômicos dos concluintes e pudemos observar como esses dados são um ponto de ancoragem importante para podermos fazer uma triangulação. Não faremos diferente aqui: vamos relacionar Desempenho dos Cursos na Língua Portuguesa versus Renda Familiar, com base na edição de 2017.

Para obter o desempenho dos estudantes em relação aos aspectos da Língua Portuguesa, recuperamos a partir dos microdados as notas dessa medida, a partir das discursivas 1 e 2 de FG. Em seguida, calculamos o desempenho do Concluinte (média aritmética das duas medidas). Por fim, exibimos o desempenho de acordo com a Renda Familiar.

Para facilitar a leitura, dividimos os cursos nas categorias bacharelados, licenciaturas e tecnólogos, conforme figuras 1, 2 e 3 a seguir:

Figura 1 – Desempenho Língua Portuguesa x Renda Familiar – Bacharelados – Enade 2017

Podemos perceber, com base na figura 1, que em geral o desempenho na Língua Portuguesa dos cursos de licenciatura foi em torno de 57. Houve um esperado destaque – confessamos que recebido com um pouco de alívio – dos concluintes do curso de Letras, com desempenho acima de 61. Podemos avaliar, neste caso, o quanto saber se expressar na língua portuguesa teve impacto na nota. 

No extremo, o bacharelado em Matemática nos preocupa, com desempenho abaixo de 52, pela suspeita que se os matemáticos não souberem linguisticamente interpretar um problema, pouco adiantará saber fazer as contas. Na maioria dos casos, como esperado, o desempenho aumenta de acordo com a renda familiar, ainda que tenha havido uma inconsistência incomum em vários cursos.

Vamos, agora, às licenciaturas:

Figura 2 – Desempenho Língua Portuguesa x Renda Familiar – Licenciaturas – Enade 2017

Podemos perceber, com base na figura 2, que em geral o desempenho na Língua Portuguesa dos concluintes dos cursos de bacharelado, foi em torno de 56. Destaque aos cursos de Letras e Filosofia, com desempenho em torno de 60.  No extremo, Música, Educação Física e Física com desempenho abaixo de 54.

Na maioria dos casos, de forma semelhante ao ocorrido nos bacharelados, o desempenho melhora de acordo com a renda familiar – ainda que tenhamos notado a mesma inconsistência na melhora nas faixas de renda intermediárias. Há alguns resultados surpreendentemente fora da curva na faixa acima de 30 salários mínimos, positivo como na Licenciatura em Ciência da Computação e negativo no caso da Licenciatura em Física.

Finalmente, os tecnólogos:

Figura 3 – Desempenho Língua Portuguesa x Renda Familiar – Tecnólogos – Enade 2017

Observe, com base na figura 3, que em geral o desempenho na Língua Portuguesa dos concluintes dos cursos tecnólogos, foi em torno de 49, o menor entre as categorias avaliadas. Destaque ao concluintes de Gestão de Tecnologia da Informação, com desempenho em torno de 52. No extremo, curso de Tecnologia em Redes de Computadores desempenho abaixo de 46. Verifica-se também que o desempenho, de forma geral, melhora de acordo com a renda familiar, ainda que as inconsistências na melhora também estejam presentes em todas as faixas de renda.

Ao encaminhar esta edição para o final, vamos constatando a importância do conhecimento associado aos aspectos da língua portuguesa na forma como são cobrados no Enade. Apesar das inconsistências em faixas de renda intermediárias, o vínculo já verificado em edições anteriores do EnadeDrops entre crescente bom desempenho e renda familiar em ascensão permanece digno de nota.

Já a falta de relação entre renda e desempenho nas faixas intermediárias pode significar duas coisas importantes: a primeira, que a classe média pode não estar encontrando melhores colégios públicos ou privados quando cresce a renda familiar. Afinal, a literatura em economia e educação mostra que, de forma geral, os colégios públicos apresentam desempenhos sofríveis no ENEM e os colégios privados podem ser melhores, mas não significativamente melhores.

A segunda, que a qualidade desta ou daquela escola em particular pode influenciar o resultado, uma vez que pesquisas demográficas mostram que, de forma geral, a classe média ascendente nos anos bons da nossa economia podia ter ficado mais rica, mas preferiu ampliar sua casa ou trocá-la por outra nas cercanias desde que não deixasse o bairro onde convivia com a família e os amigos. Ou seja, ela pode ter ascendido em termos de renda, mas possivelmente permaneceu nos mesmos colégios de antes. Vamos conversando.

Até a próxima quarta!

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