Os Estudantes são ruins ou a prova foi difícil?

Autores: Alexandre Nicolini (Ciência e Ação), Reinaldo Viana (UNIRIO)

No primeiro artigo desta série descobrimos que a nota no ENADE não guarda relação com o número de questões que os estudantes acertam, mas sim com o quanto os estudantes se afastam da Média Brasil. No segundo artigo, verificamos que a distância entre os piores (nota 1) e os melhores (nota 5) é muito menor do que se imagina, e mesmo os melhores dificilmente passariam direto se o ENADE fosse uma disciplina. O primeiro e o segundo artigos estão aqui:

O Enade é uma Corrida! Em que posição você está?

Seu curso é o melhor do Enade ou é o menos pior?

Nesse terceiro artigo do EnadeDrops vamos entender como se dá a relação entre Formação Geral (FG) e Conhecimento Específico (CE). Como se sabe, o cálculo da média final dos estudantes é uma média ponderada que considera peso 1 para o resultado na FG e peso 3 para o resultado no CE. Daí depreendemos que as IES foquem muito seus esforços nos conhecimentos diretamente ligados às competências de cada curso, mas não tenham a mesma preocupação – às vezes nenhuma, nós diríamos – com os conhecimentos gerais sobre o mundo que contextualiza cada carreira.

Nas três últimas edições do ENADE, que englobam todas as carreiras atualmente avaliadas, apenas três cursos tiveram um desempenho menor na FG do que no CE: Gastronomia, Processos Gerenciais e Teologia. Atente para o gráfico de barras abaixo, relativo ao desempenho dos estudantes de Tecnologia em Gastronomia em 2015. Ele demonstra que devemos nos preocupar em prover também uma melhor formação geral para nossos estudantes, a fim de que se localizem no mundo e compreendam a efetividade – que é a capacidade de produzir efeito na sociedade – dos seus cursos e da sua atuação como profissional. De quebra, teria servido também para que IES que oferecem este curso terem conseguido um fator de diferenciação.

Agora compare este gráfico com o gráfico abaixo, voltado para o curso de Tecnologia em Processos Gerenciais, ainda nos resultados da FG. Podemos comparar o desempenho porque a parte de FG tem dez questões rigorosamente iguais em cada ENADE, e chegar à conclusão que nesta edição os formandos de Processos Gerenciais tinham melhores resultados na FG do que os de Gastronomia. A diferença é pequena, de 3,85 pontos percentuais, mas aplicando o peso já referenciado no cálculo do conceito ENADE poderíamos afirmar que só esse acréscimo permitiria a uma IES caminhar positivamente 20% dentro de uma faixa como 2, 3 ou 4 ou até mesmo mudar de faixa. No conceito 3, isso permitiria ultrapassar 120 IES no ranking geral.

Vamos analisar agora o desempenho do curso de Tecnologia em Design Gráfico. Aqui já houve uma inversão, e os estudantes se saíram melhor no CE do que na FG. É interessante ressaltar, entretanto, que a maior média na FG entre os cursos aqui analisados não se transformou na maior média de CE. Afinal, porque os estudantes que tinham a melhor formação geral não se transformaram nos melhores profissionais entre estes três cursos?

Parte da resposta reside no fato das provas de CE serem diferentes, parametrizadas por Comissões de Referência distintas e, consequentemente, com níveis de dificuldade variados. No curso de Gastronomia, houve 12 questões Muito Difíceis ou Difíceis, contra apenas 6 questões Difíceis e nenhuma Muito Difícil na prova de Processos Gerenciais. Não é à toa que a Média Brasil em CE do último foi mais alta do que no primeiro. Mas percebe-se que esta diferença no índice de dificuldade das provas justificaria uma discrepância maior na performance destes cursos, que montou apenas 1,4 pontos em 100.

Vamos aprofundar agora as diferenças analisando os resultados do curso de Tecnologia em Gestão Financeira. Neste caso, o índice de dificuldade da prova certamente disparou quando a Comissão de Referência escalou 17 questões que foram consideradas Difíceis ou Muito Difíceis após a leitura dos resultados. Desta vez sim o desempenho dos estudantes desse curso no CE foi solapado: houve uma queda de 19 pontos em 100, embora o desempenho dos mesmos estudantes na FG tivesse sido comparável ao dos cursos já analisados.

Finalizamos este microartigo com uma provocação. Consideramos que a FG é um dado importante no cálculo da nota e na discriminação da faixa, mais do que as IES supõem. Você reparou que os desempenhos de FG e CE estão fortemente ligados ao nível de renda dos estudantes? Usualmente o que também está ligado à renda, repetido à exaustão pelo IBGE, é o nível sociocultural da população em geral. Logo, seria uma boa hipótese considerar que uma boa formação geral seria pré-condição ao bom desempenho nos dois componentes do curso que calculam o conceito final dos estudantes – e dos cursos. Investir em Formação Geral dos estudantes é fundamental, para o estudante, para o curso e para o desenvolvimento do país.

Até à próxima edição!