Os Ingressantes são limitados ou falta limitação na entrada?

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Autores: Alexandre Nicolini (Ciência e Ação), Reinaldo Viana (UNIRIO)

Desde o princípio estamos construindo uma linha de raciocínio com os microartigos do ENADE Drops. No primeiro texto desconstruímos a ideia de desempenho absoluto; no segundo, revelamos o quanto é relativo um “bom” desempenho; no terceiro, correlacionamos o desempenho no ENADE à renda familiar. O três estão aqui:

O Enade é uma Corrida! Em que posição você está?

Seu curso é o melhor do Enade ou é o menos pior?

Os estudantes são ruins ou a prova foi difícil?

Nesse quarto microartigo do EnadeDrops vamos explorar um pouco mais a importância da Formação Geral (FG) e os condicionantes de um bom desempenho nesse componente. Pesquisas mostram que um bom ambiente cultural e uma boa pré-escola jogam um papel fundamental na primeira infância, que aumenta significativamente as chances de sucesso profissional dos indivíduos que contaram com tal fortuna.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, entre as famílias 10% mais ricas, 53% das crianças chegam na pré-escola até os três anos. Entre as famílias 10% mais pobres, apenas 15% das crianças tem a mesma oportunidade. Ou seja, uma criança que cresce numa comunidade carente, em que a escolaridade média dos pais e dos adultos no entorno dela é baixa, tem ainda que conviver com a falta de creche ou creches de baixa qualidade. Uma criança que nasce num bairro abastado, de renda e escolaridade média alta, terá ainda a oportunidade de uma pré-escola de qualidade.

E o que isso tem a ver conosco? Ora, estamos falando do nascimento da Formação Geral do indivíduo que ingressará futuramente no ensino superior. Quanto mais palavras souber, maior será sua capacidade de apreender e compreender o mundo e suas nuances. Cresce sua possibilidade de compreender novos significados, porque estará exposto a um caldo cultural mais rico e complexo, em que sua capacidade de cognição será muito mais treinada e colocada à prova.

Para realizarmos um teste preliminar, vamos comparar os resultados de FG de dois cursos: o Tecnólogo em Estética e Cosmética e o Bacharelado em Medicina. As razões da escolha são simples: os dois fizeram exatamente a mesma prova de FG em 2016, o que nos garante a comparabilidade; eles estão diametralmente opostos em termos de mensalidade, o que assegura uma disparidade de renda; e o curso de Medicina, pelas poucas escolas disponíveis, trabalha com seleção e nota de corte, ao contrário de todos os outros, que sempre tem vagas ociosas. Veja os gráficos abaixo, referentes ao curso de Estética, de acordo com a nota média de Formação Geral por nível de escolaridade dos pais:

Desempenho Formação Geral & Escolaridade do Pai – Tecnologia em Estética – Enade 2016
Desempenho Formação Geral & Escolaridade da Mãe – Tecnologia em Estética – Enade 2016

Notamos que na prova de FG os estudantes de Estética tiveram um desempenho sofrível, embora não tenha havido nenhuma discrepância notável na influência exercida pelo gênero. Entretanto, percebemos uma evolução positiva do desempenho dos estudantes que está claramente relacionada com o nível de escolaridade que os pais tiveram. Destacamos aqui que os filhos de pais pós-graduados tiveram desempenho entre 17% e 22% melhores que aqueles cujos pais não tinham nenhuma escolaridade. Considerando os pesos da FG e CE (Conhecimento Específico), tal diferença seria o suficiente para avançar quase uma faixa inteira, caso nos fosse possível selecionar os ingressantes pelos seus pais. Agora olhemos para os mesmos gráficos do curso de Medicina:

Desempenho Formação Geral & Escolaridade do Pai – Medicina – Enade 2016
Desempenho Formação Geral & Escolaridade da Mãe – Medicina – Enade 2016

Em média, o desempenho dos estudantes de Medicina em FG foi quase 60% superior ao dos estudantes de Estética nesse mesmo componente. Repare, contudo, que se a variação das notas evolui conforme sobe a faixa de escolaridade, ela é muito menor em Medicina do que em Estética – entre 4% e 14%, esta última exagerada por conta de uma discrepância não explicada na falta de escolaridade da mãe.

O que explicaria, então, que o efeito da escolaridade dos pais tenha sido parcialmente anulado no curso de Medicina em relação a tantos outros cursos na área das Ciências da Saúde? A renda familiar média dos estudantes, bem mais alta; e o ponto de corte estabelecido por relações candidato-vaga na casa das dezenas.

Encerramos este microartigo com um alerta às Instituições de Ensino Superior: ainda que não se possa mudar a escolaridade dos pais nem a renda familiar dos estudantes, é necessário conhecer estas informações como um dado diagnóstico importante para determinar o tamanho do desafio que teremos em nossos corredores. Provas de acesso e pesquisas do perfil sócio-econômico-cultural são instrumentos para descobrir lacunas de formação geral nos ingressantes que deverão ser trabalhadas nos anos vindouros, juntamente com o conhecimento específico de cada curso.

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